A saúde tem cura
Geral
08.07.2013
ESTUDANTES, RECÉM-FORMADOS E VETERANOS REVELAM DESCONTENTAMENTO E APONTAM ESTRUTURAÇÃO DA REDE PÚBLICA E CRIAÇÃO DE UMA CARREIRA MÉDICA COMO SAÍDAS PARA A CRISE; ESTADO INCORPOROU 1.180 MÉDICOS DESDE 2009
O médico residente Kerginaldo Jácome, 25, iniciava mais um plantão no setor de politrauma do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, na quarta-feira passada, quando recebeu o primeiro paciente do dia. Era um homem, com pouco mais de 30 anos, vítima de um acidente de moto, e com fratura exposta da tíbia esquerda. O osso rasgou músculos e pele. Um espetáculo sangrento, menos para Kerginaldo. Ele sempre sonhou em trabalhar em situações de urgência como aquela. Muito embora, a precária infraestrutura atual do sistema público de saúde potiguar o faça querer, a cada dia, adotar um consultório próprio.
Ele foi um dos 301 profissionais a receber o registro do Conselho Regional de Medicina (CRM) no Rio Grande do Norte em 2012. É formado pela Universidade Potiguar (UNP), que desde 2006 oferece duas turmas de medicina. Nos últimos cinco anos, de acordo com o CRM, cresceu em 42% o número de registros. Em 2009, foram referendados 211 novos profissionais. Até esta semana, 188 profissionais obtiveram registros na entidade em 2013.
Kerginaldo Jácome espera montar em Natal um consultório particular especializado em urologia. A posição dele não é um fato isolado. Outros alunos de medicina e residentes ouvidos pelo NOVO JORNAL também reclamam da falta de estrutura das unidades públicas e da ausência de uma carreira profissional para o setor. O eco deste posicionamento pode ser visto no déficit de profissionais que prestam serviço no interior do estado.
Natal concentra hoje 74,09% (3.411) dos médicos potiguares, contra 25,01% (1.193) dos demais municípios, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM). A diferença é responsável pela baixa proporção entre médico e população. O Rio Grande do Norte tem 1,43 para cada grupo de mil pessoas. Na capital, por outro lado, a taxa sobe de 4,21. Mais que o dobro do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de dois médicos por grupo de mil habitantes.
Hoje, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesap) possui 1.627 profissionais atuando. Com isso, a proporção entre médicos e habitantes cai ainda mais. A taxa fica em 0,6 médico a cada grupo de mil pessoas. O contracheque de um clínico é de R$ 4.761,00 para 40h e R$ 2.380,50 para 20h. O valor também é insuficiente para atrair novos profissionais, considera o jovem médico. “Hoje, eu não quero o serviço público. É necessária uma carreira, com progressão salarial e excelentes condições de trabalho para que eu seja atraído”, disse.
A UNP é hoje a maior formadora anual de médicos no Estado. A média de formandos deve ser de 120 pessoas todos os anos. As duas primeiras turmas foram graduadas ano passado. Até a abertura do curso, em 2006, a única faculdade de medicina potiguar era a da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
PSF
A média da unidade pública é de 93 novos médicos a cada ano. São duas turmas formadas a cada semestre. Em 2012, foram 50 pessoas diplomadas em junho e outras 44 em dezembro. Em junho passado, foram formados outros 50 profissionais.
Para a coordenadora do curso de medicina, Elaine Lira, não existe qualquer preconceito dos alunos com relação ao serviço público. “Alguns até pedem para se formar antes do tempo para trabalhar em municípios do interior”, disse. Ela faz referência às cidades que fazem contratos temporários para abastecer as unidades do Programa Saúde na Família (PSF). Algumas prefeituras chegam a pagar até R$ 10 mil mensais por médico.
A grade curricular de medicina da UFRN, por sinal, passou por uma reforma em 2002. Foram incluídas disciplinas que mostram o funcionamento de programas como o Programa Saúde da Família e da atuação profissional no sistema público. Logo nos primeiros semestres, os alunos passam a acompanhar os serviços das unidades públicas de saúde. “O aluno sai da faculdade sabendo o que vai encontrar. Não acredito que exista preconceito em trabalhar para o governo”, completou.
Fonte: Novo Jornal