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Diabetes: a epidemia cega

Geral

16.02.2014

A aposentada Maria do Rosário da Silva, 66, aguardava, pacientemente, a chamada da médica no ambulatório do Hospital Ruy Pereira. Metade do seu pé estava enfaixado; a outra parte estava revestida de uma pele acinzentada, meio morta, que subia até a perna inchada. Já não podia encostar o membro no chão. O problema começou como uma coceira no pé e acabou machucando a pele, já cheia de chagas. O que a paraense dizia ser só alergia era, na verdade, um estado avançado de pé diabético. Agora aguardava uma decisão da médica sobre a amputação do membro. “Tudo começou com uma rachadura por causa de uma chinela apertada, mas depois foi tomando conta do pé inteiro”, disse.

No Rio Grande do Norte, 8% da população acima de 18 anos foi diagnosticada como portadora de diabetes mellitus, de acordo com o estudo “Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico” (Vigitel), divulgada pelo Ministério da Saúde no ano passado. São 179.116 pessoas afetadas pela doença, que interfere no metabolismo da glicose, causado pela falta ou má absorção da insulina — hormônio responsável por quebrar a molécula do açúcar e transformá-la em energia para o corpo. A doença atinge 6,7% dos homens e 9% das mulheres potiguares.

A incidência pode ser baixada, mas tem causado dor de cabeça ao sistema de saúde pública estadual, principalmente nos hospitais de alta complexidade. Unidades como o Ruy Pereira, referência no atendimento de doenças vasculares, e Walfredo Gurgel, que deveria atender somente traumatologia, tem recebido grande demanda de pacientes diabéticos. A maioria chega em um nível avançado da doença, com a vascularização dos membros comprometida, o que leva a amputação. Isso sem falar na superlotação dos centros clínicos dos hospitais, que não têm como atender a demanda no interior.

O Walfredo Gurgel, como o destino final de todas as enfermidades do estado, recebe os casos emergenciais. Realiza as operações mais urgentes e transfere os pacientes para o Ruy Pereira, quando um acompanhamento da enfermidade é necessário e há vaga.

Edvaldo Emídio, 58, completou seis dias de espera por uma vaga na última quinta-feira. Aguardava em uma maca, no corredor do setor clínico do Walfredo. “Comi um peixe carregado, que acabou piorando minha diabetes. Estou esperando transferência”, contou Emídio, enquanto recebia medicação. As pernas apresentavam feridas escuras, causada pela dificuldade de cicatrização característica da diabetes, devido a descompensação hormonal.

No Ruy Pereira, a situação é ainda pior. Os 84 leitos do hospital estão sempre lotados, uma vez que a unidade é a única de referência no estado. O número de amputações, devido ao estado crítico que os pacientes chegam, tem aumentado nos últimos dois anos. Em 2012, foram feitas 412 amputações de membros. No ano passado, esse número subiu para 474. Aumentaram também o número de procedimentos vasculares, como arteriografia, angioplastia e bypass – uma espécie de ponte de safena que é feita nos membros para melhorar a vascularização.

Segundo o diretor do Ruy Pereira, Leonardo Borges, a falta de assistência básica para os pacientes diabéticos no interior do estado causa o aumento no número de amputações. “O nosso objetivo, como hospital, deveria ser o de salvar o membro, mas com a falta de assistência básica a pessoa já chega sem ter como salvar. É uma mutilação”, define o médico.

Ele aponta que o Ruy Pereira não têm mais condições de suportar a demanda de todo o estado. A falta de estrutura para operações é o principal percalço da unidade. De acordo com o diretor, faltam materiais para angioplastia e bypass, como próteses. Além disso, o hospital possui apenas um bisturi elétrico para atender as três salas de cirurgia. O uso da ferramenta é praticamente feita por ficha. “Já solicitamos o material para a Sesap (Secretaria Estadual de Saúde Pública) há quatro meses, mas ainda não tivemos nenhuma resposta”, denuncia Borges.

Segundo o médico, o hospital não possui sequer um equipamento para esterilização do equipamento usado nas cirurgias. A limpeza é feita por hospitais parceiros, como o Hospital Onofre Lopes (Huol) e o Walfredo Gurgel. “Isso piora ainda mais o atendimento. Fica difícil fazer de tudo para salvar o membro”, diz o médico.

A maior demanda do hospital vem de municípios pequenos, como Serra Caiada, São José do Mipibu, Pedra Grande, Rio do Fogo e Boa Saúde. A maioria relata dificuldades de encontrar assistência nos hospitais de origem, como remédios para tratamento e avaliação médica.

Para Leonardo Borges, a condição do Ruy Pereira precisa ser suprida urgentemente, seja com a construção de novos hospitais de referência ou com de convênios com hospitais privados para a criação de leitos. “Hoje o pé diabético está chegando ao volume das cirurgias de trauma ortopédico e cardiológicas. Outras doenças conseguem mais hospitais, e o pé fica de lado. Há uma demanda reprimida no estado”, diz o médico.

A Sesap informou que houve uma reunião nesta semana entre a direção do hospital e o secretário estadual de Saúde, Luiz Roberto Fonseca, para discutir as demandas do hospital. Dois autoclaves – equipamentos usados para esterilização de materiais -, foram entregues à unidade. Novo encontro será realizada nesta terça-feira (18) para discutir a aquisição dos equipamentos faltantes.
 

Fonte: Novo Jornal