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14.04.2013

Vinte anos e nove e meses após ter permanecido no comando do Sindicato dos Servidores da Saúde do RN, a médica pediatra Sônia Godeiro perdeu orbe, coroa e cetro e viu sua ex-companheira de lutas Simone Dutra ascender ao trono do qual ela conduziu as transformações que fizeram do Sindsaúde um dos sindicatos mais representativos do Estado.

Aos 58 anos, Godeiro agora articula a oposição para chegar de volta à direção do sindicato que movimenta atualmente até R$ 200 mil mensais e tem um patrimônio avaliado em quase R$ 4 milhões, todo erguido sob sua batuta. Nega, entretanto, querer de novo o posto principal. “Outros nomes, talvez. Vou apoiar o grupo de oposição e posso até fazer parte da diretoria, mas a presidência não quero”, garante.

Sônia Godeiro, ex-presidente do Sindsaude
As últimas duas décadas da vida de Sônia Godeiro se fundem com a história do sindicato que ajudou a formar pós-redemocratização do Brasil. As primeiras movimentações sindicais no RN, e das quais Godeiro participou, datam de 1988, quando a gênese sindical se instalou no RN. “Era um sindicato para todos os servidores do Estado”.

Mais tarde, os profissionais da educação saíram e fundaram o Sinte, o que serviu de exemplo aos da saúde, que tempos depois, em 1990, fizeram o mesmo. Por irônico que possa parecer, a pauta em torno da qual se estruturou o Sindsaude não acompanhou as transformações sindicais. Já naquela época a luta era por melhorias nas condições de trabalho, melhores salários e outros benefícios para a classe.

“Éramos tão pequenos. Uma salinha no segundo andar da (rua) Felipe Camarão com a General Osório. Tínhamos oito cadeiras, uma mesa, um birô, geladeira, máquina de datilografar e uma funcionária sem carteira assinada, o que permitia que ela não viesse regularmente, porque tinha salários atrasados”, lembra Sônia.

Eleita presidente do Sindsaude pela primeira vez em 13 de dezembro de 1990, a pediatra partiu para a primeira luta: ampliar o número de sindicalizados. “Era impossível fazer as transformações que queríamos sem ter dinheiro. E precisávamos fazer crescer o número de sindicalizados”, lembra a ex-presidente do sindicato, cuja luta precedente era para que o Governo do Estado da época pagassem em dia os servidores.

Nesse movimento de mais de 20 anos atrás surgiu a curva ascendente que hoje está além dos 15 mil sindicalizados, tornando o Sindsaude o segundo maior do Estado – atrás apenas do Sinte.
“A gente correu para filiar muita gente. Íamos de ônibus aos postos de saúde. Tínhamos o quê? 1.300 sindicalizados”, lembra Godeiro. Tanto a luta pelas filiações quanto as salariais fundiram-se. A contribuição sindical incidia sobre 1% do salário base àquela época. “O problema é que o salário-base era apenas 20% do que ganhávamos, e não tínhamos os 80%, que eram de abono, incorporados”.

Mais tarde, na primeira metade da década de 1990, com abono incorporado e crescimento na arrecadação, o sindicato começou a evoluir patrimonialmente. Um passo que Sônia destaca como decisivo foi locar a sede e assinar a carteira de trabalho da funcionária. Para ela, a estabilidade financeira do sindicato surgia ali. Com dinheiro em caixa, iniciou-se o processo de estadualização do sindicato a partir de Mossoró. “Tínhamos que ter representatividade e lutar pela arrecadação”.

As transformações foram consolidadas só na primeira década deste século. Em 2001, veio o primeiro veículo. “Um gol azul que temos até hoje”. Depois vieram a sede própria da Avenida Rio Branco, comprada em 2003 por R$ 88 mil. “Cinquenta mil à vista e três cheques de R$ 10 mil”, conta orgulhosa.

Os anos seguintes foram de ampliação. O sindicato adquiriu mais dois veículos, expandiu o espaço físico da sede e ainda arrematou mais duas áreas de lazer, uma na Zona Norte da cidade e outra em Pium (Parnamirim). Ao passar a diretoria do Sindicato dos Servidores da Saúde, Sônia passou adiante um patrimônio que ajudou a erguer em 20 anos e nove meses, hoje avaliado em R$ 3,7 milhões.

“Me sinto traída”
Na versão que contou à reportagem, Sônia diz que o partido começou a lhe boicotar porque ela não aceitou a ingerência do PSTU dentro do sindicato. “Chegou a um ponto que eles queriam usar a estrutura do Sindsaude para tudo. Se iam contratar um profissional, o primeiro critério era que fosse filiado do partido, só depois viam a questão técnica. Não permiti isso”, diz.

Em 2008, a direção do PSTU exigiu que Sônia renunciasse à presidência sustentando que estava havendo uma burocratização e centralização das atividades. “E ainda queriam que eu fosse a público dizer que o motivo era porque eu ia me dedicar à política. Não concordei. Era mentira”. Um ano depois, foi expulsa do partido, e se filiou ao PSOL.

Ao mesmo tempo em que exigiu sua saída da diretoria, conta Sônia, o partido conseguiu que outros dirigentes abandonassem a direção, incluindo a atual coordenadora geral do Sindsaude, Simone Dutra. “Esse grupo que saiu fez o quê? Se aliou ao partido e começou a dar um jeito de me tirar do sindicato”, conta Sônia.

Na primeira eleição pós-racha, não houve êxito. Na segunda, no ano passado, marcado por tumulto e várias versões do que aconteceu, o grupo reunido em torno de Simone Dutra destronou Sônia Godeiro.

“Eles viveram de campanha no ano passado. Com ataques, logo no ano passado, em que tínhamos que dar conta da campanha, dos pleitos da saúde no último ano de Micarla e as demandas do Estado. Quiseram de todas as formas me tirar, tanto que houve o que houve no primeiro turno”.

A conturbada etapa se registrou ao fim do ano passado. Segundo o estatuto do sindicato, eleições que definem a diretoria devem contar com a participação de pelo menos 50% mais um sindicalizado.

“E o que houve? A pessoa da informática que tínhamos para fazer as listas de quem iria votar simplesmente se debandou para o outro lado e fez tudo errado. As listas chegaram com erros para votação e além de não ter dado quórum causaram indignação”, acusa a ex-dirigente.

Sônia diz que na sequência, esse funcionário foi afastado e ela foi pessoalmente percorrer o interior do Estado para, de prefeitura em prefeitura, pegar a lista atualizada dos servidores da saúde.

“Isso nos prejudicou porque não deu tempo para fazer campanha”. O resultado veio em fevereiro passado. Simone Dutra alcançou 55% dos votos válidos.

“Me senti traída. De certa forma ficou a ingratidão por quem não reconheceu o trabalho que fizemos ao longo desse período”, lamentou-se Godeiro, que protestou ainda contra as táticas da oposição. “Passaram o tempo todo em campanha. Pegaram a [vereadora] Amanda Gurgel e fizeram de bandeira nos postos de saúde, fazendo campanha e batendo na gente. A estrutura nacional do PSTU foi mobilizada para essa campanha”, diz Godeiro.

Agora, ela dedica seu tempo à pediatria, no Walfredo Gurgel. Quando perguntada como é sua rotina, depois de 20 anos na luta sindical, deixou as lágrimas rolarem para comentar pausadamente: “Difícil. A gente se envolve. E termina assim…”,

Atual presidente se defende: “Não havia democracia”

Simone Dutra, coordenadora-geral do Sindsaude: decisões centralizadas
A nova presidente do Sindsaude (“Presidente não. Coordenadora-geral. Mudamos algumas coisas na direção”) rebate a versão de Godeiro sobre o que se passou nos últimos oito anos. “O sindicato estava num processo avançado de burocratização e não havia democracia”, contesta Simone Dutra.

Na versão da atual dirigente, Godeiro foi isolada não pela oposição, mas porque tolheu a democracia. “Todas as decisões começaram a ser centralizadas. A democracia no sindicato foi cassada. Isso fez com que ela ficasse cada vez mais sozinha”, diz Dutra.

Ao mesmo tempo, analisa a coordenadora-geral, o sindicato perdeu sua capacidade de resposta. “Isso se refletiu no abandono da categoria. O Sindsaude começou a não dar mais respostas aos pleitos do setor”, comenta ainda Simone.

“Tanto foi assim, que a comissão eleitoral, que deveria ter nos empossado, sequer compareceu ao ato de transição. A comissão sequer tinha um membro da oposição. Que democracia é essa?”, indaga a nova dirigente, que avalia:

“Do ponto de vista patrimonial pegamos uma instituição consolidada, mas política e institucionalmente, herdamos um sindicato fragilizado. Não precisamos bater em ninguém na campanha apenas mostrar isso”.

Sobre o assunto, a vereadora Amanda Gurgel também se manifestou, demonstrando surpresa sobre as posições de Godeiro: “Não entendi o questionamento dela. Nada mais democrático na luta sindical a contribuição que deu. Ela contou que Marcos do PSOL, também atuou na campanha dela?”.

Em que pesem as críticas, Simone reconhece alguns méritos da sua ex-companheira: “Sônia foi inspiradora, lutou e ajudou o sindicato, mas infelizmente tolheu a democracia”.

A partir dessa perspectiva, a nova diretoria do Sindsaude elegeu como prioridade restabelecer a participação de todos e começou um processo para ouvir as bases.
Política no meio

Nem só de sindicalismo viveu o Sindsaude. A exemplo de agremiações que lhe são semelhantes, o sindicato se transformou numa máquina partidária, embora contraditoriamente nunca tenha conseguido emplacar Sônia Godeiro nos cargos que disputou em seis eleições.

No princípio de tudo, lembra Godeiro, havia unidade em torno do PT. Praticamente todos os membros tinham vínculos com o Partido dos Trabalhadores, as divisões só eram registradas dentro das correntes existentes no partido. “Um ou outro era de outro partido, como o PCdoB”, lembra Sônia.

Em 1992, começou o movimento de migração partidária, recorda a ex-dirigente. “Deixei o PT porque ele mudou. Mudou o discurso depois que perdeu a eleição para Collor em 1989. Começou a pregar tudo contra o qual vinha atuando, como alianças com partidos de centro, de direita”, lembra.

O Sindsaude começou, então, a se alinhar ao PSTU, partido ao qual Sônia também se filiou e disputou em 1998 a eleição para o Senado (“Tive 15 mil votos!”); para governadora em 2002 e deputada federal em 2006. Todos esses pleitos foram intercalados por candidaturas à Câmara de Vereadores a partir de 1996, totalizando três embates.

“Acho que nunca consegui me eleger porque não há unidade no sindicato como há no da educação, que fez Fátima Bezerra, por exemplo”, analisa Godeiro.

Se por um lado ela não conseguiu ser eleita, por outro fortaleceu o PSTU a partir da máquina sindical. E anabolizou o partido, ressalvadas as proporções, a ponto de começar a crescer a disputa pelo poder do Sindsaude. 

Fonte: Novo Jornal