Leitos de psiquiatria no Rio Grande do Norte são insuficientes para atender a demanda crescente
Geral
23.11.2012
O portador de transtorno mental que busca atendimento, em situação de crise, no Rio Grande do Norte só tem um caminho a seguir: o Hospital Psiquiátrico João Machado. Os Centros de Apoio Psicossocial (CAPS), que deveriam dar suporte ao hospital, não funcionam a contento. Resultado disso é que o pronto socorro do Hospital diariamente fica lotado de pacientes à espera de uma vaga de internação. A demanda tem aumentado cada vez mais e a superlotação chega ao ponto de ter que colocar pacientes em leitos improvisados, chamados ‘leito-chão’. O Pronto Socorro do Hospital João Machado dispõe de 35 leitos, mas normalmente a quantidade de pacientes ultrapassa esse número. Na última segunda-feira, havia 27 pacientes aguardando vagas e 20 em observação, totalizando 48, ou seja, 13 pacientes a mais da capacidade do Pronto Socorro.
A diretora do Hospital João Machado, Myrna Chaves, explica que o médico do Pronto Socorro é quem decide se o paciente fica em observação no PS ou se fica aguardando uma vaga de internação, sendo inserido no sistema de regulação de vaga. A espera por uma vaga chega a durar cinco dias. O grande problema é que o paciente que está aguardando a vaga ocupa um leito e não gera recursos para o Hospital. “O Pronto Socorro é um arranjo, longe do ideal. Mas pretendemos transferi-lo para onde funcionava os leitos clínicos do Walfredo Gurgel. Hoje a estrutura é precária e os pacientes com transtornos mentais são misturados com os pacientes dependentes de álcool e drogas”, disse a Myrna.
No Pronto Socorro o número de pacientes dependentes químicos, em especial adolescentes e jovens, chama a atenção. De acordo com Myrna, a quantidade de pacientes que chegam ao Hospital, pelo Pronto Socorro, dependentes de álcool e drogas já ultrapassa o número de pacientes com transtornos mentais. “A epidemia do crack tem sido um divisor de águas, pois a entrada de pacientes dependentes de drogas está crescendo consideravelmente e precisa da atenção das autoridades”, destaca a diretora Myrna Chaves.
O Hospital Psiquiátrico João Machado dispõe de 130 leitos, totalmente ocupados, sendo que destes, são 13 leitos para pacientes crônicos, que foram institucionalizados com moradia assistencial e estão sendo preparados para desinstitucionalizar sendo transferidos para residências terapêuticas. Além disso, são 16 leitos para pacientes masculinos dependentes de álcool e drogas.
Há mais de um ano existem oito leitos femininos para pacientes dependentes de álcool e drogas prontos para serem ocupados, mas o Município de Natal, que, por demanda judicial tinha a responsabilidade de arcar com os recursos humanos, não cumpriu. Estes leitos só devem ser ocupados quando os pacientes crônicos forem transferidos para as residências terapêuticas e os profissionais que atendiam a estes pacientes serão remanejados para os leitos femininos de álcool e droga. Para os pacientes com transtornos mentais, são 45 leitos masculinos e 56 leitos femininos.
O grande problema para a superlotação do Hospital João Machado, segundo a diretora Myrna Chaves, está relacionado à precariedade da rede substitutiva, que são os CAPS, que não dão resolutividade, nem em quantidade, nem em qualidade, em relação à demanda. “Eles [os CAPS] não atendem a demanda, que cresce a cada dia, e isso reflete na superlotação do João Machado. A atual gestão municipal não avançou na política extra-hospitalar. Não sei até quando este hospital vai resistir, já que a política do Ministério da Saúde é acabar com os hospitais psiquiátricos, o que seria o caos. Aqui [o hospital] é o final da linha para o atendimento psiquiátrico no Estado”, destacou Myrna Chaves.
A diretora do Hospital João Machado se refere à portaria 3.088/11 do Ministério da Saúde, publicada em 30 de dezembro de 2011, em que pretende criar leitos psiquiátricos em hospitais clínicos. Ela conta que já há grande incentivo nesse sentido, pois o MS paga R$ 300 por leito psiquiátrico em hospital clínico, enquanto paga apenas R$ 49 por leito em hospital psiquiátrico. Myrna Chaves, que também é psiquiatra, disse que é contrária a essa política do Ministério da Saúde. “Sou contra, pois é essencial a existência de um hospital especializado. Assim como existe hospital ortopédico tem que haver hospital psiquiátrico. Ainda existe muito preconceito para colocar pacientes psiquiátricos em hospitais gerais. Além disso, é necessária uma equipe especializada. Se fecharem os hospitais os pacientes ficaram a mercê das suas patologias e sendo vítimas da violência”, afirmou a diretora.
A portaria do Ministério da Saúde não prevê incentivo ao atendimento ambulatorial, que contribui para diminuir o número de internamentos. O ambulatório do Hospital João Machado atendia cerca de 500 pessoas por mês e foi fechado na gestão passada. Hoje, o atendimento ambulatorial, que dá continuidade ao tratamento dos pacientes, é realizado nas policlínicas do Município. No entanto, a alta demanda de pacientes e a escassez de profissionais nas policlínicas fazem com que os pacientes esperem cerca de dois meses por atendimento médico.
Outra dificuldade enfrentada pela direção do Hospital João Machado é o déficit de profissionais em diversas áreas. Hoje a unidade conta com apenas 13 psiquiatras, quando o ideal seria, pelo menos, 20. A diretora espera que os cinco psiquiatras que foram aprovados no concurso realizado em 2010 possam ser convocados e assumir as vagas.
Eugênio Pacelli, diretor administrativo do Hospital João Machado, disse que o Hospital precisa passar, urgentemente, por uma reforma geral, principalmente na parte física, elétrica e hidráulica. Ao caminhar pelos corredores do Hospital percebe-se que nunca foi feita nenhuma reforma no local. A estrutura é a mesma da década de 50, quando foi construído. “Nunca foi feita nenhuma reforma, fizeram apenas paliativos”, afirmou o diretor.
Na luta por uma melhor atenção a saúde mental, a diretora Myrna Chaves disse que a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) tem realizando diversas campanhas contra o preconceito existente em relação às pessoas portadoras de doenças mentais. Ela conta que o senador Paulo Davim apresentou um projeto de lei no Senado Federal em que considera a Psicofobia como crime.
Número de CAPS é insuficiente em Natal e só dispõe de 17 leitos
Marcelo Kinate, psiquiatra e supervisor da clínica institucional do CAPS AD Leste III, explicou que os Centros de Apoio Psicossocial (CAPS) existem desde a década de 1990, mas que a partir de 2002 começou a ser financiado pelo Ministério da Saúde. Natal conta com cinco unidades, sendo que apenas o CAPS AD Leste, destinado aos usuários de álcool e drogas e o CAPS III Leste, para pacientes com transtornos graves, funcionam 24 horas.
No entanto, para Natal com uma população estimada em mais de 800 mil habitantes, cinco CAPS são insuficientes para atender a demanda, onde o ideal é ter um serviço para, no máximo, 150 mil habitantes. Em nível estadual, os municípios com mais de 30 mil habitantes dispõem de, pelo menos, um CAPS, e nos municípios com mais de 200 mil habitantes, um CAPS com leitos habilitados para realizar internamentos. Nestes, os leitos ficam referenciados aos municípios da Região.
De acordo com Marcelo Kinate, as equipes de profissionais que trabalham nos CAPS são suficientes para atender a demanda, mas, para ele, há três problemas. “Segundo referenciais da portaria do Ministério da Saúde que normatiza o funcionamento destes serviços, o número de profissionais é suficiente. Entretanto, a demanda para cada um dos serviços é maior do que o esperado em decorrência da necessidade de expansão da rede de CAPS no Município. Na medida em que isso ocorra, a população coberta por cada um dos serviços será menor, diminuindo com isso a demanda. Outra dificuldade encontrada é a insuficiência das ações de saúde mental desenvolvidas na atenção básica e o fato de que a maior parte das unidades básicas de saúde de Natal não funciona segundo a lógica da estratégia de saúde da família. Esta conjuntura termina por aumentar a demanda para serviços específicos de saúde mental, sejam os CAPS, seja o Hospital João Machado”, afirmou o psiquiatra.
Marcelo Kinate conta que no CAPS Oeste, os profissionais da unidade trabalham em parceria com as equipes do Programa Saúde da Família, incluindo médicos e agentes comunitários, e conseguem realizar o trabalho de forma mais completa, de modo a reduzir a demanda que chega ao CAPS. O psiquiatra conta que o CADS III Leste começou a fazer o trabalho de matriciamento e já começa a colher os resultados positivos.
“A equipe de saúde mental dos CAPS qualificam as equipes do PSF de forma a torna-los apoiadores. É a estratégia de matriciamento, uma lógica que não deve ser seguida apenas na saúde mental. No entanto, é a única que realiza na prática. Na medida em que esses profissionais são capacitados, só chegam aos CAPS os casos de pacientes de grande complexidade. Aos poucos, a rede de Natal tem conseguido, apesar das dificuldades, avançar no serviço”, explica Marcelo Kinate.
O psiquiatra conta que ainda há uma cultura, que segundo ele precisa ser mudada, que atribui a responsabilidade de atender um paciente portador de doença mental apenas para o especialista. Segundo Kinate, de cada dez pessoas, três vão ter um transtorno de humor. Em relação a álcool e droga, esse número já chega a 10% da população, chegando a dimensão de uma epidemia. “E não podemos pensar que apenas o especialista pode tratar. Precisamos acabar com o estigma que há em torno do portador de transtorno mental, fortalecendo a identidade. O princípio da reforma psiquiátrica pretende descolar o que a pessoa tem do que a pessoa realmente é, mas isso só é possível se conseguirmos descentralizar os serviços”, disse Marcelo Kinate.
Diariamente os CAPS recebem em torno de quatro a oito casos novos. Além destes, os serviços funcionam com os usuários já em tratamento. Passam pelos serviços uma média de 40 a 65 usuários dia. Hoje os CAPS de Natal têm por volta 2,2 mil pacientes cadastrados em tratamento. Os CAPS que dispõe de leitos no Município localizam-se na zona leste. São o CAPS AD III leste que dispõe de sete leitos e o CAPS III Leste que dispõe de 10 leitos de atenção integral.
Em relação ao desafio para os próximos anos em relação à saúde mental, Marcelo Kinate acredita que dar continuidade ao processo de matriciamento é uma forma de tornar o serviço cada vez mais forte. “Por mais dificuldade que haja no matriciamento já existe um embrião e que possamos desenvolvê-lo e que possamos ter uma assistência à saúde mental em rede”.
Fonte: Jornal de Hoje