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No Dia do Obstetra, profissionais criticam descaso do poder público com a assistência obstétrica no RN

Geral

15.04.2013

A obstetrícia é a especialidade médica que acompanha as mulheres grávidas durante a gestação, parto e pós-parto. O médico obstetra é considerado o médico da mulher, pois ele é responsável pelas orientações relacionadas à sua saúde. Nesta sexta-feira (12) é o Dia do Obstetra. Diante do caos instalado na assistência materno-infantil e na saúde do Rio Grande do Norte, a figura do médico obstetra torna-se, cada vez mais, protagonista desse processo tão importante que é o nascimento de uma criança. Em meio às dificuldades, como superlotação, estresse ocasionado pela sobrecarga de trabalho, e partos realizados em condições desumanas, o obstetra é o único que ainda consegue dar resolutividade. Hoje seria um dia comemorativo, no entanto, para a classe médica é um momento de luto pelas péssimas condições de assistência.

Obstetra há mais de 30 anos, a diretora médica da Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC), Maria da Guia Medeiros, relembra como decidiu seguir a carreira médica. Ela conta que o desejo de ser obstetra surgiu com um episódio que aconteceu quando ainda era estudante do 5º período de Medicina, na década de 70, e começou a dar plantão, ainda como doutoranda, na Maternidade.

“Eu já tinha uma filha de dois anos em condições habituais. Quando cheguei na Maternidade, para o meu primeiro plantão, vi uma senhora que levantou-se rapidamente da cama, pegou um balde de plástico e começou a fazer força e olhei e a cabeça do menino já estava aparecendo. Ela ia parir em pé naquele baldinho. O médico que estava me acompanhando no dia, o meu preceptor, o médico Leônidas Ferreira, colocou a mulher em cima da cama e o bebê nasceu em cima da cama. Diante daquela situação, eu vi o que eu queria fazer. Isso me acompanha a vida inteira. Hoje estou do mesmo jeito que em 1977 quando entrei aqui como doutoranda. Foi por ver aquele parto sendo realizado daquele jeito que decidi ser obstetra”, relatou. Ela conta que diante da situação tão caótica, a data passou despercebida. “Não há muito que comemorar. Diante do caos e da situação que estamos vivendo. É mais luto que comemoração”.

Passado mais de 30 anos do episódio que a levou seguir a profissão, Maria da Guia Medeiros conta que a situação se repete. “À época, era algo pontual e já considerávamos um absurdo. Hoje, mais de 30 anos depois o que achei absurdo naquela época, hoje é comum. É impossível vivermos no século 21, onde no Rio Grande do Norte, o neurocientista Miguel Nicolelis, desenvolve uma tecnologia para que uma pessoa que não anda, possa dar o primeiro chute durante a copa do mundo, e permanecermos nessa situação. Como é que vivemos essa evolução da tecnologia e caímos na assistência ao parto. Fomos para o fundo do poço”, desabafou.

No entanto, a situação nem sempre foi complicada. No passado, apenas as mulheres indigentes era as que pariam na Maternidade Januário Cicco, pois as que tinham alguma ligação com a previdência social tinham direito de realizar o parto na Casa de Saúde São Lucas, Casa de Saúde Petrópolis, Policlínica e o Hospital Santa Helena. “Tínhamos muitas maternidades na assistência ao parto, que realizavam partos públicos. Eles foram sendo fechados, perdemos todos esses leitos públicos e, neste período, ganhamos apenas a Maternidade Leide Morais. A maternidade Januário Cicco é a mesma. Hospital Santa Catarina já existia, bem como a maternidade das Quintas e de Felipe Camarão. A precarização da assistência obstétrica vai desde a falta de leitos na capital, porque Natal recebe metade das mulheres do interior, já que os interiores não realizam mais partos, como no passado”, destacou.

“É uma luta muita grande que nós temos para melhorar a assistência ao parto, porque na realidade nós somos o fim da linha, só recebemos a mulher para realizar o procedimento. A assistência ao parto nós damos, mas não como gostaríamos. Nós gostaríamos que o excesso de mulher que tem na Maternidade Januário Cicco estivesse parindo em outras maternidades em condições dignas. Que elas tivessem, pelo menos, o mínimo necessário para ela parirem”, destacou.

Caótica. É assim que a diretora médica da Maternidade Januário Cicco classificou a assistência obstétrica no Rio Grande do Norte. Segundo ela, é inconcebível pensar que municípios com mais de 20 mil habitantes não realizem nenhum parto, como é o caso do município de Nova Cruz, que tem uma população superior a 35 mil e não realiza parto. “O prefeito se elege com a promessa de melhorar a saúde e não garante o direito mínimo que é nascer”, disse a Maria da Guia Medeiros.

“Não estou arrependida, mas não sou realizada”

Stênia Lins é obstetra há 33 anos. Hoje ela trabalha na Maternidade Escola Januário Cicco, no Hospital Santa Catarina e na Maternidade das Quintas. Ela conta que logo que entrou na universidade, para o curso de Medicina, se apaixonou pela profissão, com o nascimento. “Hoje, 33 anos depois, estou decepcionada. Nunca pensei que fosse passar pela situação que estou passando hoje. A questão da mulher sem ter o direito de parir é uma coisa que me maltrata demais na profissão. Da minha parte tento fazer o possível, mas não estou realizada, pois não pensei que fosse viver isso. Não me arrependi, faria tudo de novo, mas não me sinto realizada por isso, pois sou testemunha de um direito básico de a mulher ter o filho, uma coisa tão cruel”, desabafou.

Trabalhar nas três maternidades já faz parte da rotina da obstetra Stênia Lins que, além da obstetrícia desenvolve um trabalho em relação aos direitos sexuais e reprodutivos. “Quando estou de plantão tento minimizar ao máximo o impacto que o caos possa ter nas mulheres. Atendo bem e dou uma boa assistência, dentro das minhas possibilidades. Não sofremos tanto, pois estamos aqui para poder dar uma coisa de boa. Mas o que fazemos individualmente ainda é muito pouco”, destaca.

Em relação ao acesso e fluxo de mulheres, a assistência materna, para a obstetra Stênia Lins, é zero. “O interior é o grande problema. O descompromisso dos gestores municipais em relação à saúde da mulher é criminoso. Aqui na Maternidade, a assistência está no limite. Não é ruim, porque fazemos o esforço de repor essa falta da saúde como um todo. Trabalhamos acima do limite. Estamos dando assistência, em condições subumanas, mas a parte obstétrica é garantida. Imagine então a situação dos profissionais diante desse caos. Mas a garantia dos direitos das mulheres estão sendo totalmente negados”, destacou a obstetra Stênia Lins.

Função da obstetrícia

O trabalho de prevenção é realizado pelo obstetra durante o pré-natal e, quando realizado efetivamente, tem auxiliado a diminuir as taxas de mortalidade infantil e materna. O objetivo da Assistência pré-natal é orientar a mãe quanto às modificações no organismo, modificações de hábitos alimentares e físicos, impedir que a paciente fique anêmica, orientar a mãe para um parto mais humanizado e uma gravidez saudável. Esse profissional dá conselhos pré-gestacionais e acompanha a saúde do feto, o que permite identificar anormalidades precocemente e possibilita intervenções terapêuticas ainda no útero.

Durante o pré-natal, o obstetra tem condições de identificar anormalidades precocemente no bebê em desenvolvimento, podendo assim tomar medidas terapêutica mesmo antes do parto. O médico da mulher deve ainda se comprometer com a realização do parto e se preocupar com os cuidados necessários do pós-parto. Além de ajudar a mulher a ter um período gestacional saudável, o obstetra precisa fazer um trabalho de prevenção com sua paciente. Se for o caso, ele deve propor mudanças nos hábitos alimentares, controlar de perto o ganho de peso e aconselhar a gestante a não se envolver com vícios que colocam o bebê em risco, como cigarro e álcool.
Para se tornar um médico especialista em obstetrícia é necessário concluir os seis anos de Medicina e depois ingressar em um programa de residência, que para o obstetra tem duração média de três anos. Depois de concluir a formação, o especialista pode abrir um consultório particular ou atuar em instituições de saúde pública e privada.

Reprodução:Jornal de Hoje