No RN, SUS depende da terceirização para funcionar
Geral
23.09.2012
As cooperativas médicas foram criadas, inicialmente, para atuar junto aos planos de saúde. Mas hoje, aproximadamente uma década após suas implantações, atuam fortemente na área de saúde pública no Rio Grande do Norte. As duas principais instituições do Estado – Coopmed e Coopanest – aumentaram, aproximadamente, dez vezes a quantidade de associados e, hoje, trabalham em todas as unidades públicas – municipais e estaduais – de Natal. A falta de investimento na contratação de pessoal para a área de saúde pública e o colapso das unidades municipais e estaduais nos últimos anos, ressaltaram o nível de "dependência" do Sistema Único de Saúde ao serviço prestado por profissionais que se organizaram e escolhem quanto custa e a quem oferecer seus serviços.
Em natal, 50% das escalas são de médicos cooperados
Isaac Lira – Repórter
A presença de entidades privadas no Sistema Único de Saúde tem aumentado. Contrata-se junto a empresas e associações sem fins lucrativos exames, equipamentos, enfermeiros, médicos, hospitais inteiros e até mesmo a gestão das unidades públicas. No Rio Grande do Norte, nenhum outro caso ilustra tão bem a mudança de perfil dos serviços de saúde quanto o crescimento das cooperativas médicas. Se no início de suas atividades, as cooperativas atuavam junto a planos de saúdes e, dentro do serviço público, na realização de cirurgias eletivas e complementação de escalas médicas, hoje a terceirização da mão de obra inclui postos de saúde e o Programa de Saúde da Família.
Em números, é possível acompanhar esse crescimento a partir do aumento de cooperados. Segundo dados repassados a reportagem da TRIBUNA DO NORTE, a Cooperativa dos Médicos tinha 86 membros em 2003, quando foi fundada. Nove anos depois a entidade conta com mais de mil cooperados. Em outras palavras, a Coopmed aumentou o número de associados em 12 vezes. Situação semelhante viveu a Cooperativa dos Anestesiologistas. Se em 1994, quando foi fundada, a Coopanest tinha 20 membros – o mínimo para se formalizar uma cooperativa – hoje são 180 anestesistas cooperados. O crescimento foi de nove vezes.
O motivo para toda essa pujança, segundo o presidente da Cooperativa dos Médicos do RN, Fernando Pinto, foi a abertura de novos serviços e, principalmente, a ausência de concursos públicos com valores considerados atrativos pela categoria. O que o serviço público paga para seus servidores está abaixo do que o médico recebe no mercado pelo seu trabalho. Quando há concurso, poucos são os interessados em concorrer. Ao mesmo tempo, as negociações das cooperativas conseguem que o Estado e o Município complementem, do próprio bolso, os valores da tabela de procedimentos do SUS. É um negócio vantajoso.
"Tivemos, principalmente nos últimos dois anos, um aumento na demanda de serviços por parte do poder público, principalmente da Prefeitura de Natal. Hoje, a Coopmed complementa escalas, faz cirurgias eletivas e atua também no Programa de Saúde da Família", explica o médico Fernando Pinto, presidente da Coopmed/RN. No caso da Cooperativa dos Anestesiologistas, os contratos são relativos a cirurgias eletivas (aquelas que são marcadas) e complementação de escalas. São poucos os serviços que funcionam com anestesistas funcionários públicos e todos os profissionais da área hoje em Natal são cooperados.
No caso da Coopmed, o contrato com a Prefeitura de Natal inclui a escala médica de 15 unidades de saúde. No Hospital dos Pescadores e na Maternidade de Felipe Camarão, todos os profissionais são do contrato com a cooperativa. Nas demais, a porcentagem de cooperados varia entre 50% e 80% do total de médicos. São realizados pela Cooperativa cerca de três mil procedimentos a cada mês.
A atual tabela do SUS, que disciplina o quanto se paga por cada procedimento médico, tem valores considerados irrisórios, tendo em vista o quanto pagam convênios e o serviço contratado por particulares. Uma consulta, por exemplo, é orçada em pouco mais de R$ 10. Com a taxa de manutenção do hospital e com os tributos, o que fica para o médico é cerca de R$ 5. Uma consulta pelo convênio pode custar até R$ 50, a depender da especialidade. Uma briga realmente injusta.
Vantagens e desvantagens
Com valores baixos na tabela SUS, a capacidade de convencer profissionais a aderir ao serviço público é pequena, mesmo com a lista de vantagens oferecidas pelo serviço publico: estabilidade, décimo terceiro, férias, etc. Os médicos têm preferido trabalhar por produção, ligando-se a uma cooperativa, a virar servidor público. A vantagem é receber mais, a desvantagem é não ter segurança.
Por outro lado, o poder público também tem suas vantagens na relação com as cooperativas. Sempre no limite prudencial, sempre às voltas com a Lei de Responsabilidade Fiscal, o gestor potiguar consegue contratar pessoal sem superar o gasto máximo com o funcionalismo. É um artifício que não deixa de significar uma burla, um drible, às limitações da burocracia. Por outro lado, na maioria das vezes o gestor acaba se colocando numa posição de dependência: sem o contrato com as cooperativas, boa parte dos serviços não funciona.
Sem médicos, unidades de saúde fecharam as portas
O colapso das unidades municipais de saúde, verificado neste mês, demonstra, para alguns especialistas, uma "dependência" do setor público em relação aos contratos terceirizados, principalmente com as cooperativas. Em um único mês, o Município de Natal ficou sem cirurgias eletivas e sem atendimento em praticamente todas as unidades de saúde. O motivo foi a falta de pagamento no contrato com as cooperativas.
Fonte: Tribuna do Norte